11.1.11

O que é uma menina?

Yan Marten - Tradução de Benedicto Ferri de Barros

Desde o começo sabemos: as meninas nascem cheias de fitas, laços e dengos. Ninguém se engana com elas. Aos poucos dias de vida aderiu à mãe e começa a manobrá-la, entre 2 e 3 anos faz gato-sapato do pai, dos 4 aos 5 em diante aciona tios, avós e amigos da casa com a maior naturalidade. Enquanto for menina (e daí pela vida afora) jurará de pés juntos que não pretende manobrar ninguém. E é verdade.
A partir dos 3 anos está habilitada a tomar conta de uma boneca como pequena mãezinha; aos 5 fará comidinhas e operará vassouras duas vezes maiores do que ela; aos 6 pode atuar como babá de irmãos menores e aos 7 estará dirigindo a casa, estalando ovos para o pai, passando pito nas empregadas. Para os meninos as meninas são trombolhos quando se metem nos "brinquedos de homens", mas quando não há companheiros são parceiras ideais na maquinação de travessuras, nas grandes expedições de territórios, nos encargos de ordenanças.
Como as rolinhas, meninas formam bandinhos que estão sempre juntos. A despeito das predileções, fofocas e discriminações que agitam essas pequenas colméias, elas não se desmancham nunca, pois são feitas para isso mesmo. Um dia a menina vai vestir o vestido de baile da mamãe, calçar seus sapatos de salto alto, pintar a cara de rouge e batom, se perfumar com o vidro inteiro de Chanel n°5.
Outro dia desfará todo o guarda-roupas para polvilhar de talco os lençóis, as colchas, as fronhas, os guardanapos, as toalhas de banho, de rosto, de mesa e, por fim também a irmãzinha menor. (Nesta última operação o talco poderá vir a ser eventualmente substituído por creme hidratante, mel de abelhas e até mesmo por molho de macarronada). Meninas gostam de vestidos e sapatos novos, principalmente de sapatos.
Adoram colares, anéis e pulseiras, dos quais se livram tão logo a mãe não esteja olhando. Entram em salões de festas como princesas caminhando para o altar - e quinze minutos depois se transformaram miraculosamente em gatas-borralheiras. Nas casas onde há meninas, as mães se vestem e se cuidam melhor a fim de não serem passadas para trás; os meninos não se comportam melhor (pelo contrário) mas aprendem a dar flores de presente; os pais se tornam mais empostados e gentis, para não perderem sua posição de príncipe e sua imagem de rei.
Uma menina - se disse - é uma flor: uma mensagem de pureza, uma beleza gratuita e permanente, um gesto sempre inesperado de bondade e de carinho. Uma menina - como se disse - é um poema: nunca dará a ninguém a dureza necessária à vida, mas estará sempre irradiando uma advertência de encanto, de alegria de que - apesar de tudo - vale a pena.
Nos espetáculos de catástrofe, perseguição, fúria, violência e morte, basta a presença de uma menina e seu sorriso ou seu pranto, para nos restituir aceitação, humildade, o senso íntimo da necessidade e da importância de viver, a crença na permanência e na força do amor.


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