4.11.11

Filhos do ferro e do pó

A história da Aldeia de Paio Pires começa a ser escrita provavelmente no Séc.XIII. Um lugar de quintas e jardins, de mato e belas amoreiras -  foi mais ou menos ali (dizem) onde foi construída mais tarde a Sociedade Filarmónica de 5º de Outubro que D. Payo Peres Correia, teria acampado antes de ir conquistar o castelo de Palmela nas mãos dos árabes. "Como era habitual naqueles tempos, a recompensa pelos serviços prestados à pátria ou ao rei concretizavam-se na doação de terras. Deste modo, os terrenos que ocupavam sensivelmente a área actual da freguesia foram parar às mãos daquele militar. A evolução linguística encarregou-se do resto fazendo com que o Peres de outrora chegasse a Pires nos nossos dias".

Na década de 70, a Aldeia, até então desconhecida (não constava no mapa), começa a receber os primeiros emigrantes oriundos do  Baixo-Alentejo e  Alto Alentejo, do norte e do Ribatejo,  sendo que, a razão desse êxodo, é a Siderurgia Nacional e a possibilidade de emprego que  oferecia a muitas famílias, que até então, só sabiam o que era o campo e o sofrer. A quietude e a singeleza das pessoas da aldeia é abalada - o ar puro vindo das matas e pomares, outrora referência curativa e terapeuta para doenças pulmonares, torna-se pesado, alaranjado, formando nuvens de pó que encobrem o sol, saindo do alto-forno com fúria pertinaz. As mulheres só estendem a roupa em certos dias... algumas delas grávidas, ou carregando no colo bebés que alguns deles vão morrer de overdoses, doenças e acidentes, fruto de uma juventude inconsequente. 

Tinha dez anos quando se deu o 25º de Abril, morava na velha rua São Sebastião Correia no lote 52, 2ºDto e foi naquele prédio que eu nasci, minha vizinha do R/C  ajudou no parto. Mais tarde esta rua, como todas as ruas, no 25º de Abril mudaram de nome, a minha para: Rua professor, doutor, Egas Moniz. Era uma rua que começava na estrada que ia para o Casal do Marco (conheci ainda como azinhaga) e acabava na fossa, literalmente. Aldeia de Paio Pires, começa então a gerar filhos e filhas e adopta outros, que irão desaparecer aos poucos no auge de sua juventude, mais ou menos quando se dá o aniquilamento da Siderurgia Nacional. A morte da SN e minha geração está relacionada, pelo menos, cronologicamente.

Depois do 25 de Abril, as drogas e certas ideias progressistas, entraram e minaram nossas consciências, os pais lutavam na S.N e as mães em casa, não havia conhecimento - todos éramos ignorantes. Tudo começou com uma brincadeira e acabou em tragédia. Não vale a pena apontar culpados, de certa forma somos todos - filhos, pais, colectividades, igrejas, autoridades, e escolas - somos todos responsáveis, deixámos morrer uma geração de dezenas de jovens, somos cúmplices e devemos às mães desses, que são tantas, uma palavra de perdão. Filhos que nunca conheceram os pais, esposas e mães que se frustraram, pais que choram até hoje seus filhos e irmãos. Da minha parte choro amigos da minha rua e de outras ruas e não consigo escrever mais...


Nota:  D. Paio Peres Correia (século XIII), notável fidalgo, chefe peninsular da Ordem de Santiago, foi o responsável pela conquista de Loulé aos mouros em 1249. Faleceu em 1275 e encontra-se sepultado na capela-mor da Igreja de Santa Maria de Tavira.

2 comentários:

Anônimo disse...

e nós de oculos?muita giros!
prima Ilda

Anônimo disse...

oii pastor!
você vai voltar para passa três ou vai ficar por aki mesmo?

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